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26 de fevereiro de 2019

Cristiana Seixas comenta Bartleby, de Hermann Melville



Bom dia Clube!

Saudades!!

Em primeiro lugar, peço desculpas pelas ausências nos últimos encontros. Os ciclos da vida muitas vezes nos encaminham por outros universos. O trabalho com a biblioterapia está ganhando espaço e gerando convites (alguns bem no dia da reunião do Clic). Hoje, infelizmente, também não poderei participar, por ter aula na pós. Mas, quero reforçar o quanto cada reunião contribui para as plurais leituras dos livros, das pessoas, das situações, de mim mesma.

Bartleby foi trabalhado nos círculos de biblioterapia, por indicação de Cristina Crespo, escritora, jornalista e professora. A discussão foi rica e foi ela que trouxe um detalhe precioso, que aqui compartilho:

a tradução mais correta do título original em inglês (I would prefer not to) seria "Eu preferiria não fazer".  Avaliando com vagar, é diferente de "Prefiro não fazer", pois a ação fica mais distante ainda.  Em nossa roda de leitura, chegamos ao ponto de identificar Bartlebys em todos os lugares, até em nós mesmos!  Quantas coisas estamos em desacordo e não fazemos nada para mudar isto, exilados e excluídos de sentido em nossas cotidianas atividades. Não é a toa que este livro inspirou tantos existencialistas.

Num outro livro discutido nos círculos, "A louca da casa" de Rosa Montero, a autora fala de Bartleby e Melville.  Este livro fala sobre a imaginação (a louca) e o mundo da escrita e escritores.  Em certo trecho, ela menciona a fome de público que cada escritor sente. Uma avidez sem limites que beira a loucura, que "transforma todos os escritores em eternos indigentes do olhar alheio". Ela dá detalhes:

"O autor de Moby Dick, que hoje é reverenciado e reeditado, na época não agradou absolutamente ninguém, nem mesmo os amigos mais fiéis do autor. Não vendeu nem duas dúzias de exemplares e foi recebido com vaias. Melville nunca superou este fracasso. Depois, tornou impossível a sua própria vida e a de todos os que o cercavam. Quando, aos quarenta e sete anos,viu-se obrigado a aceitar um emprego miserável de inspetor de alfândega, tão enfadonho quanto mal pago, para poder manter a família, a obviedade do seu fracasso como romancista deve ter explodido feito um obus dentro da sua cabeça. Ficou meio louco, a ira o consumia, agia com uma violência enorme, provavelmente até batia nos filhos e na esposa, que chegou a pensar seriamente em separar-se dele: e estamos falando de 1867, época que os casamentos simplesmente não se desfaziam, o que pode dar uma ideia da dimensão do inferno em que viviam. De fato, foi também em 1867 que o filho mais velho de Herman se trancou no quarto e deu um tiro na cabeça. Chamava-se Malcolm e tinha dezoito anos: talvez tenha se suicidado para fugir do irrespirável ambiente doméstico."

Melville foi Bartleby e contaminou quem o cercava com sua profunda angústia existencial.  O que, desconfio que diariamente, acontece com cada um de nós: transbordamos o que escolhemos, somos e fazemos.

Simone de Beauvoir, no livro "A velhice" traz impactantes constatações que dialogam com este tema:

“A tragédia da velhice é a radical condenação de todo um sistema mutilador. Um sistema que não fornece à imensa maioria das pessoas uma razão de viver. [...]
Ao envelhecer, o trabalhador não tem mais lugar no mundo, porque, na verdade, nunca lhe foi concedido um lugar: simplesmente ele não tivera tempo de perceber isto. Quando se dá conta, cai numa espécie de desespero bestificado.” (p. 340)
“A sociedade pré-fabrica a condição mutilada e miserável que é o quinhão deles na última idade. [...] Explorados, alienados, quando a força os deixa, tornam-se fatalmente ‘refugos’, ‘destroços’. É por isto que todos os remédios que se propõem para aliviar a depressão dos velhos são tão irrisórios: nenhum deles poderia reparar a sistemática destruição de que os homens foram vítimas durante toda a sua existência.” (p. 663)
Este pequeno livro, que a muitos gera indignação, é uma sombra de nossa passividade e imobilidade diante do que precisa ser feito.  

Se há algo que você preferiria não fazer, deixa morrer e dê os passos em direção do que realmente tem sentido. Ousadia é tempero da vida.

O Camus, no "O primeiro homem" também traz um trecho que adoro e uso muito no consultório: "A maldição daquele trabalho de uma estupidez de fazer chorar, cuja monotonia interminável consegue tornar ao mesmo tempo os dias mais longos e a vida mais curta."

Para me despedir, cito uma frase muito inspiradora do Saramago, que me dá forças para dar passos no caminho escolhido:

"Não tenha pressa e não perca tempo."

Para quem quiser aparecer, no próximo círculo, degustaremos Eduardo Galeano:

E, em junho, navegaremos nas produções do maravilhoso Luis Antônio Pimentel, que foi enriquecer o céu com sua presença!
Ótima reunião a todos!
Abraços saudosos!


Cristiana Seixas
Biblioterapeuta

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