Fundado em 28 de Setembro de 1998

20 de agosto de 2014

CLIc-teen - O menino no Espelho: Fernando Sabino

Nem eu mesmo sabia que estava experimentando pela primeira vez a sensação inebriante de uma paixão. 




Como se fosse pouco, Cintia tocava piano. Eu ficava a seu lado, embevecido, a ver as mãos longas e brancas deslizando pelas teclas do velho piano na sala de visitas. Em casa ninguém tocava, a não ser eu mesmo, batucando o Bife com dois dedos, escondido de meu pai: ele costumava dizer, certamente para silenciar a musiquinha insuportável, que ela atraía o demônio. Cintia sabia uma porção de melodias americanas, chamadas de fox-trot. Veio daí, creio, o meu gosto pelo jazz: 



— Toca de novo aquela primeira, Cintia. 

Ela tocava esta e aquela, a meu pedido. Depois atirava para o lado, naquele gesto seu, a cortina de cabelos que lhe caía no rosto. Um dia, ao dar comigo a contemplá-la, extasiado, inclinou-se rindo e me deu um beijo no rosto. Meu coração disparou, e eu com ele: saí correndo da sala, fui me refugiar no fundo do quintal, pela primeira vez naqueles dias. E naquela noite não consegui dormir. Era ela que eu via diante de mim, no escuro do quarto, tocando piano, os cabelos louros, os olhos claros, a cena do beijo. Toninho, ao perceber que eu continuava acordado, chegou a perguntar se eu estava sentindo alguma coisa. Não, eu não sentia nada — a não ser o desejo de que a noite passasse depressa e chegasse logo a manhã para que eu pudesse rever a minha amada. 





"Em pouco tempo, passei a levar mais que a sério o escotismo. Não tanto pela parte moral — embora não deixasse de ser interessante amar a Deus sobre todas as coisas, ter uma só palavra, fazer uma boa ação todos os dias, ser limpo de corpo e alma, amar os animais e as plantas, respeitar o bem alheio, ser cortês e leal, e outras obrigações dos mandamentos do escoteiro, que a gente jurava cumprir. O que me atraía mesmo era a parte prática e as distrações: transmitir mensagem à distância pelo código Morse, com o auxílio de um apito ou de uma lanterna (logo consegui decorar o alfabeto), ou por semáfora, com duas bandeiras, como fazem os marinheiros; aprender a dar várias espécies diferentes de nós; acender uma fogueira com apenas um pau de fósforo ou fazer fogo sem fósforo algum; armar uma barraca; orientar-me pelas estrelas; tocar tambor; seguir uma pista em pleno mato — e mil outras coisas próprias dos índios e dos exploradores 

do oeste." 



Que menino encapetado esse Fernando!


"Mas como sempre acontece...papai achava graça, pedia que eu narrasse a façanha para seus amigos." (p.96)

Uma viagem aos tempos de infância 

no 

Clube de Leitura Jovem!





O que você quer ser quando crescer?

O Menino no Espelho é um romance escrito pelo mineiro Fernando Tavares Sabino, que teve sua primeira edição em 1982, pela editora Record.


A obra é narrada em primeira pessoa, e o personagem principal é o próprio autor, que ao longo do livro relata suas aventuras. Fernando conta suas memórias de infância com muita criatividade, e que foram vividas na cidade de Belo Horizonte durante a primeira metade do século XX, convidando o leitor a viajar no tempo e experimentar uma BH tranquila e sossegada, o que proporcionava certa liberdade e espaço para a diversão das crianças daquela época.



As lembranças são descritas com espontaneidade, e os acontecimentos relatados com muita simplicidade, como se estivessem sendo contadas por um menino. As histórias são repletas de fantasia, explorando a imaginação de Sabino, como menino de apenas oito anos.



O espírito criativo do autor nos chama bastante atenção, juntamente com seu saudosismo dessa fase mágica de sua infância. O livro nos transporta para uma época na qual a criatividade imaginativa e a inocência perduram. E, através de olhos de uma criança, podemos então experimentar esse novo mundo através da leitura.






O livro será tema de debate do próximo encontro, que será realizado no dia 21 de agosto, às 18h, na Livraria Icaraí (Rua Miguel de Frias, 9, em Niterói). Não perca!


"O menino é o pai do homem" (William Wordsworth)


Leia o livro digital aqui

Alguém conhece a solução do mistério do que é ser mineiro? Se souber não diga ainda, para não ser spoiler. 


Um comentário:

  1. Em "Nas garras do primeiro amor", tem um episódio nos moldes do conto "A carta" cujo conteúdo muda de significado quando, na pressa, Fernando corta o envelope e lê apenas metade do bilhete que Cintia lhe enviou. A mensagem truncada lhe instila uma paixão desenfreada que só mais tarde, ao encontrar a outra parte do bilhete, ele descobre o equívoco.

    ResponderExcluir

Prezado leitor, em função da publicação de spams no campo comentários, fomos obrigados a moderá-los. Seu comentário estará visível assim que pudermos lê-lo. Agradecemos a compreensão.