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3 de dezembro de 2013

A relação da Grã-Bretanha com a escravidão e o Brasil


É na segunda metade do século XVIII, quando o pensamento iluminista pulsa intensamente no círculo da intelectualidade européia, que toma corpo na Grã-Bretanha o movimento antiescravista. O marco histórico é 1787, quando o abolicionista Thomas Clarkson tem o apoio do jovem William Wilberforce para liderar a causa no Parlamento; no mesmo ano é constituído em Londres um Comitê para a Abolição do Tráfico de Escravos.
O comércio de escravos era uma atividade das mais vigorosas e lucrativas. Somente no século XVIII, comerciantes ingleses despejaram nas colônias britânicas da América cerca de 3 milhões de africanos. Diante da força do comércio e da cultura escravista, a resistência foi de tal ordem que somente em 1807 o tráfico é extinto, após progressivas batalhas no parlamento. A abolição mesmo só aconteceria em 1833, depois de muitas leis protelatórias.
Para a consecução do fim do tráfico e do escravismo, seus articuladores fizeram propagar em todo território britânico a situação desumana e o sofrimento impostos aos cativos. Pela solidariedade, passam a condenar as leis que sustentavam o sistema e que reduziam o homem à condição de coisa, unindo ingleses, escoceses, galeses e irlandeses.
Várias ações são então organizadas: boicotes ao consumo de mercadorias produzidas com mão de obra escrava; confecção e distribuição de panfletos antiescravistas; propagandas em jornais; pressão sistemática junto às autoridades - uma mobilização inédita, que envolveu as igrejas e conquistou a opinião e o apoio públicos.
Proibido internamente, o fim do comércio escravista passa a ser uma política de Estado, fundamentada em fins humanitários. A diplomacia britânica inicia, nestes moldes, um período de pressão sobre outras nações para a extinção do tráfico em seus territórios, entre elas Portugal. Contudo, essa pressão guarda em seu bojo muitos fins econômicos.
Para sustentar essa pressão, a Inglaterra – maior potência da época - vale-se do poderio bélico da sua frota, como apoio tácito de seu corpo diplomático, que passa a ser mais impositivo e aguerrido na defesa dos interesses “humanitários”.
Quando o Brasil declara a independência de Portugal (1822) recebe como herança a dependência dos produtos e da “proteção” inglesas - o Brasil era terceiro melhor mercado dos ingleses. No entanto, a Inglaterra não deixa de pressionar o Brasil pela extinção do tráfico, enquanto mediava com Portugal o reconhecimento da nossa independência.
Essa pressão ocorre, sobretudo, devido ao aumento nos preços do açúcar produzido nas ilhas britânicas das Antilhas – organizada em plantations -, após o fim do tráfico de africanos pela Grã-Bretanha, o que tornou o açúcar produzido no Brasil e em Cuba com mão de obra escrava, mais competitivo no mercado internacional.
O reconhecimento da nossa independência por Portugal se dá em 1825. Um ano depois, embora gestões da diplomacia brasileira para ganhar tempo, o Brasil é pressionado a firmar tratado para a extinção do trafico de escravos com a Grã-Bretanha, que passa vigorar em 1830. Porém, esse tratado e todos os outros firmados posteriormente só foram cumpridos em 1855, quando o Brasil finalmente encerra a importação escravista.
Por contraditório, o Brasil se liberta de Portugal, mas fica submisso à pressão da Grã-Bretanha; mantém assim um sistema atrasado e desumano, em troca da liberdade. E nem tudo se finda em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel proclama o fim da escravidão no Brasil.

3 comentários:

  1. Excelente texto, Wagner! Na sua opinião, essa dívida histórica contraída com a escravidão tem sido corretamente tratada pela adoção de políticas públicas de ações afirmativas e sistema de cotas no Brasil?

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  2. Caríssimo amigo Evandro,
    Você coloca muito bem quando faz menção a "essa dívida história contraída com a escravidão". Realmente a escravidão é a forma de exploração do trabalho mais abominável da história. E olha que ela precedo ao Império Romano e perpetua até os nossos dias, em relações análogas.
    Contudo, para começar a lhe responder, devo lembrar que no Brasil a miscigenação foi intensiva, desde a chegada de Cabral. Nosso brilhante intelectual Caio Prado Junior, quando analisa a colonização portuguesa, comparando-a com a dos inglesa nos EUA, em "Formação do Brasil Contemporâneo", diz sabiamente que "uma gota de sangue branco faz do
    brasileiro um branco, ao contrário do americano, em que uma gota de sangue negro faz dele um negro". Pode-se concluir,então, que nos EUA a miscigenação foi de menos, enquanto no Brasil ela se deu intensamente. Assim, temos uma sociedade efetivamente mestiça, independente da coloração da pele; isto inclusive é cientificamente provado através de estudos genéticos. Creio, de forma muito similar ao que falava Darcy Ribeiro, que devemos valorizar essa união de raças, sem precedentes no mundo, como forma de consolidar nossa cultura, sem discriminação e preconceito. Acho, então, que o sistema de cota ajuda a fomentar a divisão de nossa sociedade, inclusive estimulando a discriminação e o preconceito. Acho, também, que nossos políticos estimulam essa divisão, o que é lamentável, mas uma das características de nossa política pobre e mesquinha de hoje; sem qualquer grandeza. Veja você que agora também temos uma sociedade politicamente dividida: de um lado os que se julgam monopolizadores da verdade; de outro os que não podem pensar diferente, da forma como se fundamenta a própria democracia.
    Amigo Evandro, acredito com toda convicção, que o único meio de promoção e inclusão social é a educação. Por
    isto, continuarei a defender a educação pública de qualidade, em todos os níveis.
    Não encontrei no blog o artigo "A adoção de cotas e o preconceito" (creio que é esse título), onde opino sobre a questão. Mas, sugiro que você leia "Diminuição da desigualdade e educação", postado em 9 de março deste ano (ou 2012).
    Por fim, acho que deveríamos criar políticas afirmativas mais "tupiniquins", aliás também o índio foi muitíssimo vilipendiado pela escravidão, A importação de fórmulas prontas sinceramente não me agradam.

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  3. Parabéns pelo texto, adorei.
    Concordo que a escravidão é a condição mais desumana e um crime horrendo contra a humanidade que se estende até os dias de hoje, infelizmente.

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