Gentilmente cedido pela Sacerdotisa do CLIc
Fundado em 28 de Setembro de 1998
31 de janeiro de 2013
27 de janeiro de 2013
BOLINHA
Hélio José lima Penna
Era cedo, quando o pedreiro Jesuíno saiu de casa, rumo ao batente. Do portão, olhou com ternura para a sua cachorra. O bicho estava no seu canto, quieto, o focinho sobre as patas, os olhinhos no pedreiro, a se despedir.
- Tu fica aí, Bolinha. Não vem atrás, não – ordenou. A cachorra abriu a boca, cerrou os olhos, fingiu sono.
Jesuíno atravessou a viela e alcançou o pontilhão sobre o rio. Dali, olhou disfarçadamente para trás: Bolinha o seguia, sorrateira.
- Eu não te mandei ficar, cachorra? Anda, vai!
Pegou um galho e lançou no animal. O galho caiu no rio; não assustou o bicho, que se deitou tranquilamente.
Jesuíno apanhou uma pedra e ameaçou:
- Num tô brincando, Bolinha! Tu me respeita, cachorra!
O pedreiro, então, atirou a pedra, que a fez correr um pouco e se esconder num dos degraus da ponte improvisada. Lá embaixo o rio, que invadia as casas do bairro, inclusive a do pedreiro.
“Ô cachorra da peste!”, resmungou, preocupado com a hora. Uma vez se atrasou no serviço por causa dela que insistiu em segui-lo. Foi obrigado a carregá-la nos braços e prendê-la. Culpou-a pelo atraso. O encarregado da obra ouviu a explicação, fingindo interesse. Outros empregados se aproximaram. Era uma cachorra nova e dócil, contava, entusiasmado. Precisavam ver o chamego. Temia o seu atropelamento. Depois do relato, Jesuíno ouviu as gargalhadas do encarregado e dos seus colegas. E dali o deboche não parou mais. Chamavam-no de Bolinha. Imitavam latidos, quando ele passava. O pedreiro esteve a ponto de fazer uma besteira com um cabra que pusera ossos na sua bolsa. Pediu demissão.
A lembrança desse episódio o fez sentir uma raiva incomum. Olhou na direção da cachorra: ela estava de pé, as orelhas espertas, pretendia segui-lo. O pedreiro achou outra pedra e arremessou-a com violência.
Atingida na cabeça, ela saiu correndo, ganindo. Cheia de surpresa e dor. Jesuino afastou-se. Tinha pressa de chegar ao trabalho.
Na obra, as horas se arrastavam. Ele não produzia o necessário. No almoço, não teve fome. Estava amargurado. Pensava no animal, tornava a ouvir os seus ganidos de dor.
À noitinha, ele foi recebido no portão pela mulher, os filhos, as vizinhas e outras crianças. Contaram-lhe que um malvado apedrejara Bolinha. Ferida, ela escondeu-se debaixo da casa. Quando os meninos tentavam retirá-la, ela rosnava, mostrava os dentes.
Jesuíno agachou-se, e rastejou por baixo do casebre. Estava escuro e úmido. Tateou com dificuldade e sentiu o pelo da bichinha em suas mãos grossas. Puxou-a com cuidado. Fizeram uma roda. No centro o pedreiro e sua cachorra. Trouxeram água. Ele lavou a cabeça do animal, retirando a terra e o sangue com muito jeito. Ela tremia e gemia baixinho. O ferimento era próximo do olho esquerdo. Quase cegam a pobrezinha, disseram. Quanta ruindade!
Foi tratada com arnica, aroeira e saião. Diariamente, o pedreiro olhava-a com afeto e arrependimento. O corte cicatrizava, o inchaço diminuía, graças a Deus.
Tempos depois, o animal recuperou-se. Até que, numa manhã, ele viu a cachorra seguindo-o como antes:
- Bolinha, volta! Anda, vai pra casa!
22 de janeiro de 2013
Olha quem está no CLIc!!!
Cristiana e Agualusa |
Agualusa está no CLIc este mês com seu "As Mulheres do meu Pai" e em breve será a vez de "Teoria Geral do Esquecimento" em um círculo de biblioterapia com Cristiana Seixas. Clic na foto acima e saiba mais.
Leia quem leu |
20 de janeiro de 2013
As mulheres do meu pai: Agualusa
Bom dia, grupo
Há um silêncio sobre a leitura de "As
mulheres de meu pai" que me impele a comentar uma qualquer coisa. Já
disse que adorei o livro, para mim, nota 10. Achei a chave na primeira
página e foi o primeiro livro que me lembro de ter que voltar ao início,
após finda a última página. Não reli todo, mas diversos trechos, para
uma melhor compreensão. Cheguei a fazer um esquema de ordem cronológica
para as páginas e relacionei diversos dos personagens para não me
perder. Acho que um escritor que escreve assim tem um q de genial e é
muito bom ter um gênio em casa, ao alcance da mão e dos olhos.
O livro é complexo, narra a história de vários
personagens em paralelo, alternando os narradores, que não se identificam. O
leitor precisa entrar na estória e pensar como pensam os personagens, que se
misturam no filme e na ‘vida real’. Tem suspense, revelação da conclusão sem
que isso tire a curiosidade do leitor, vai e vem no tempo, relatando
alternadamente fatos que aconteceram fora de ordem, traz dados culturais
muito interessantes sobre a África e há várias citações do Brasil e brasileiros,
tiradas engraçadas, é um livro completo que nos leva a pensar e repensar . A fidelidade, a diversidade do comportamento
cultural, as aparências e seus traiçoeiros julgamentos, a mentira, a verdade, o
sonho e a fantasia, por exemplo. É poético, é mágico, é real.
Dentre tantos personagens ricos e interessantes, gostei especialmente de Pouca Sorte, o que dirigia a Malembelembe,.
Esse personagem tem muitos segredos que vão sendo desvendados aos
poucos, e revelam-se a nós, assim como às vezes nos damos conta, nós
mesmos, de quem somos, de quem assumimos que somos, de quem queremos
ser. É uma descoberta, um encantamento.
E você, qual seu personagem favorito? Por que?
Deixo com vocês o esquema de páginas que fiz para me facilitar.
Ordem de leitura
Ordem
|
Data
|
Página
|
Local
|
0
|
24/6/2005
|
37
|
RJ, Brasil
|
1
|
30/10/2005
|
85
|
Luanda, Angola
|
2
|
31/10/2005
|
89
|
Canjala
|
3
|
31/10/2005
|
97
|
Porto Amboim
|
4
|
2/11/2005
|
117
|
Lobito
|
5
|
3/11/2005
|
150
|
Lubango, Angola
|
6
|
4/11/2005
|
161
|
Namibe
|
7
|
5/11/2005
|
165
|
Oncócua, Angola
|
8 - início
|
6/11/2005
|
19
|
Oncócua, Angola
|
9
|
7/11/2005
|
179
|
Swakopmund, Namíbia
|
10
|
15/11/2005
|
219
|
Capetown, África do Sul
|
11
|
17/11/2005
|
251
|
Trans-Karoo (entre Capetown e Joanesburgo)
|
12
|
18/11/2005
|
263
|
Maputo (pulou Quelimane), avião para Nampula
|
13
|
19/11/2005
|
350
|
Ilha de Moçambique
|
14
|
11/03/2006
|
387
|
Luanda, Angola
|
15
|
23/03/2006
|
57
|
Durban, África do Sul
|
16
|
23/03/2006
|
455
|
Durban, África do Sul
|
17
|
27/07/2006
|
195
|
Lisboa, Portugal
|
18
|
31/07/2006
|
199
|
Salvador, Brasil
|
19
|
12/09/2006
|
325
|
Quelimane, Moçambique
|
20
|
14/09/2006
|
287
|
Maputo
|
21
|
01/10/2006
|
65
|
Luanda
|
22
|
16/02/2007
|
463
|
Luanda
|
23
|
04/03/2007
|
517
|
Luanda
|
24
|
16/03/2007
|
549
|
Lobito, Angola
|
Beijos,
Rita Magnago
16 de janeiro de 2013
15 de janeiro de 2013
Obra artística onde convivem óticas variadas
(por: W. B.)
“A Caixa-preta” (Kufsa Chhora) – livro de Amós Oz, romancista israelense atual (nascido 04/05/39) mais traduzido pro Português – foi lançado em 1987, mas, ambientado no ano de 1976. É composto por correspondências: 51 cartas e 56 telegramas trocados entre os personagens. Essa estrutura, mesmo incomum, não constitui novidade na historia da literatura: é o chamado romance epistolar, do qual são exemplos “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (Die Leiden des Jungues Werthers), escrito pelo alemão Johan Wolfgang Goethe (1749-1832), bem como “Relações Perigosas” (Les Liaisons Dangereuses), obra pertencente ao francês Pierre Ambroise François Choderlos de Laclos (1741-1803). Esses livros vieram a público em 1774 e 1782, respectivamente, enquadrando-se numa forma literária bastante popular naquele século 18.
Porém Amós Oz (cujo nome registrado é Amos Klausner) trouxe, em seu livro, algumas peculiaridades em relação aos escritos de Goethe e Laclos.
Lendo Werther, percebe-se que a voz desse personagem título domina quase absolutamente. O narrador surge ao início afirmando ter juntado tudo quanto lhe foi possível recolher a respeito do “pobre Werther”, a cujas cartas temos acesso a partir daí. São correspondências dum mesmo remetente e todas endereçadas a Wilhem: as respostas não aparecem para nós. O narrador volta ao final do romance pra relatar o destino do protagonista. A estrutura, como se vê, é mais semelhante a um diário que propriamente a um romance epistolar.
O livro de Laclos, em contrapartida, é multifacetado, composto por missivas trocadas entre vários personagens, as quais vão compondo a trama que está a se desenrolar no presente: repleta de artimanhas, adultério e seduções.
Já em “A Caixa-preta”, as cartas estão mais voltadas à exposição do passado dos personagens e seus sentimentos, do que a ações que ocorram na época em que são relatadas. Como a caixa-preta dum avião, o livro desvela o já acontecido na trajetória – e derrocada – do casal Alexander (Alex ou Alec) A. Guideon e Halina (Ilana) Brandstetter.
Muito interessante é a variedade de perspectivas presentes na obra. Cada remetente vai se despindo em seus escritos, desnudando sua visão de mundo, sentimentos e opiniões, diretamente, sem intromissão dum narrador onisciente pairando acima de todos eles.
Compreende-se a verdade de cada um, seus motivos e posicionamentos. Se num momento o intelectual Alex nos parece simplesmente frio, cruel; noutro o vemos também em suas dores, fragilidades e boas intenções em relação ao mundo, o qual quer ver sem guerras ou opressões religiosas. Ilana, a ex-mulher adúltera, também se move em favor do bem, sendo capaz de grandes sacrifícios, mesmo por quem já a ofendeu e agrediu. Seu novo marido Michel-Henri Sommo, embora fanático e, em geral, intolerante, opoia Ilana e, com generosidade, aconselha o filho dela (Boaz), ajudando-o a abandonar condutas violentas. Boaz, por sua vez, de agressivo, desregrado e inconsequente, vai aos poucos revelando seu lado doce, equilibrado, respeitoso com o próximo.
A escrita de cada personagem é bastante própria, e nós, leitores, ao início da correspondência, já percebemos de quem ela é, pelo estilo em que foi feita. Diferente do “Relações Perigosas”, que apresenta logo no início de cada carta o destinatário junto com o remetente; no livro de Oz, só na assinatura aparece explicitamente de quem ela veio.
Vários estilos textuais, múltiplos entendimentos sobre religião, família, política, sexo, amor, convivência, essa é a caixa-preta que nos é dada a interpretar para chegarmos a nossas próprias conclusões acerca do desastre que vive o ser humano hoje num mundo de guerras, fanatismos e incompreensão.
Fontes:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0101-31062010000100007&script=sci_arttext;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Amos_Oz.
(A CAIXA-PRETA FOI DEBATIDO NO CLUBE DE LEITURA DE ICARAÍ EM 03/02/12)
Que tal ler e comentar os melhores livros do ano?
A votação do
CLIc para a escolha do melhor livro lido pelo Clube em 2012 ainda está aberta
aqui no Blog (vai até o final de janeiro), mas uma outra turma de ‘responsa’ - José
Castello, Guilherme Freitas e Suzana Velasco -, também fez suas escolhas para o
melhor livro do ano, em geral (veja abaixo).
ROMANCES
A visita cruel
do tempo - americana Jennifer Egan – Ed. Intrínseca
O céu dos
suicidas - paulista Ricardo Lísias - Alfaguara
Solidão
continental - gaúcho Gilberto Noll - Record
O sonâmbulo
amador - pernambucano José Luiz Passos - Alfaguara
Barba ensopada
de sangue - gaúcho Daniel Galera - Companhia das Letras
O retorno -
portuguesa Dulce Maria Cardoso - Tinta da China
NOVELA
O sentido de um
fim - inglês Julian Barnes - Rocco
HISTÓRIA
História da
caricatura brasileira - carioca Luciano Magno - Gala edições
ENSAIO
O que resta -
crítico Lorenzo Mammi - Companhia das Letras
Com Roland
Barthes - crítica literária Leyla Perrone-Moisés - Martins Fontes
A cidade no
Brasil - antropólogo baiano Antonio Risério - Editora 34
BIOGRAFIA
Marighella, o
guerrilheiro que incendiou o mundo - jornalista Mário Magalhães - Companhia das
Letras
POESIA
Poemas - sírio
Adonis - Companhia das Letras
Um útero é do
tamanho de um punho - gaúcha Angélica Freitas - Cosac Naify
Formas do nada -
carioca Paulo Henrique Britto - Companhia das Letras
Vai uma reunião ou um papo extra?
Com isso, surgiu
uma proposta costurada a várias mãos: quem se interessar, compra e lê um dos
livros da relação abaixo e, após uns dois meses, essa turma se reúne em uma
data extra, em local a combinar, para cada um falar do livro que leu. Ao final
da reunião, pode rolar troca/rodízio de livros e até uma nova indicação de
leitura para o Clube. Que tal? Você gostaria de participar? Basta indicar no
campo Comentário que livro você vai
ler, para não haver escolha repetida.
13 de janeiro de 2013
Chico Lopes: "Clubes de leitura são fundamentais"
Nossa última entrevista de 2012 é um presente de Natal para todos os participantes do Clube. Com muito
orgulho, o CLIc traz para você uma entrevista
exclusiva com o grande escritor Chico Lopes, nosso participante virtual via
facebook.
Chico foi agraciado este ano com o Prêmio Jabuti para seu
livro mais recente, O estranho no corredor, sua primeira novela.
São dele também os
livros de contos Nó de sombras (2000), Dobras da noite (2004) e Hóspedes do vento (2010).
Além de escritor, Chico Lopes, nascido em Novo Horizonte ( SP), é pintor, crítico de cinema e literatura. Vive em Poços de Caldas (MG) desde 1992,
e desde 1994 trabalha no Instituto Moreira Salles como programador e
apresentador de filmes.
Confira a entrevista
By: Rita Magnago
Para nós do CLIc é um prazer muito grande
ter um escritor de renome e premiado como participante virtual. Como surgiu essa interface com o Clube? O
também escritor e amigo comum Carlos Rosa tem um dedinho aí?
Foi sim o Carlos
Moreira Rosa quem me falou primeiro do clube e disse do prazer de estar aí com
vocês, batendo papo sobre livros. Daí, fiz contato com Helena (Eloisa Helena) e esse papo
começou a se tornar mais contínuo e a troca de ideias cada vez mais
interessada. Tenho prazer e honra em ser entrevistado por vocês. Acho essas
iniciativas - clubes de leitores, círculos de adeptos de autores, cultores da
Literatura por prazer estético - fundamentais.
Que tipo de discussões literárias, temas
contemporâneos ou imortais você recomendaria para alavancar ainda mais nosso
clube na rede?
Não tenho outras
sugestões a fazer. Vocês estão no caminho certo, e a simples existência do
clube já é uma coisa bastante democrática, aberta às discussões, né? porque a
literatura propicia isso, um diálogo civilizado entre pessoas baseado em gostos
e concepções de vida. Vi que as escolhas do clube são ecléticas. Quanto a meus
gostos pessoais, tenho uma grande propensão a ler clássicos (e a relê-los), de
modo que a única coisa que me parecia interessante seria incluir títulos para
Releitura, resultado de uma votação entre vocês que elegesse quais livros
seriam dignos de uma repassagem. Porque aprendi, com o tempo, que livro relido
é que é livro conhecido de fato. A primeira leitura pode ser apaixonante e
agradável, mas a segunda e a terceira são iluminadoras do autor e da obra.
Qual a sua relação com os leitores? Eles
costumam interagir e opinar sobre suas obras, enviam sugestões para novos
livros?
Minha relação com os leitores, em geral, é de surpresa. Eles sempre
enxergam em meus textos coisas que me espantam um pouco, porque eu não as tinha
visto, e aí surge essa coisa que acho fundamental: a compreensão de que houve
um ganho, um entendimento que só a literatura pode propiciar, e que esse ganho
foi de parte a parte, porque um escritor também só cresce e se humaniza
amplamente quando é lido. Lígia Fagundes Telles dizia que escrevia para ser
amada. Creio que é a melhor definição possível. Ao escrever, damos algo do
fundo de nós que tem esta expectativa: a de amor, de compreensão, de
solidariedade transcendente. Sentimo-nos amados, quando bem lidos. Sentimo-nos
compreendidos num plano superior ao da vida comum. Sempre respondo a todos os
leitores que me escrevem, e tenho tido a sorte de não pegar nenhum daqueles que
são particularmente azedos e ressentidos e querem nos punir por alguma coisa.
Se eles me dão sugestões, levo-as em conta. Um livro é sempre feito para o leitor,
ainda que possa ser o mais complexo e subjetivo possível.
Como é a rotina do escritor Chico Lopes?
Escreve todo dia? Tem hora certa para escrever? Escreve direto no computador?
Não tenho hora
pra escrever não, mas tenho uma rotina de entrar cedinho no computador pra
fazer os trabalhos que exerço, de tradutor e autor de orelhas, quartas capas e
releases para editoras (como a Geração Editorial, de SP) e a Rocco, do Rio.
Assim, vou mesclando o trabalho de tradutor com a troca de e-mails e mensagens
no Face e, pelo meio, cuidando de meus romances e contos, quando o "santo
baixa", por assim dizer. Acredito que há momentos especiais, em que a
sensibilidade, a imaginação e a memória se aguçam, e estes são os melhores para
a criação pessoal. Quem disser que inspiração não existe estará dizendo
meia-verdade. O trabalho regular é essencial, mas a inspiração tem uma
qualidade única, fecundante, quando desce, e ajuda muito na criação. Há coisas
que nos chegam de vias misteriosas do inconsciente e podem ter um efeito
decisivo sobre a criação. Os sonhos, os devaneios, as impressões súbitas, os
palpites e intuições irresistíveis...
Seu livro mais recente, “O estranho no
corredor”, está na lista do CLIc para futuras votações. É sua primeira novela,
recheada de mistérios, não é isso? Que aspectos você gostaria de destacar no
livro?
Quanto ao meu
livro, ele propõe um pacto com o leitor, de certo modo - trata-se, na verdade,
de um jogo psicológico. Ele se desdobra entre realidade e fantasia, passado e
presente, acompanhando um homem que se acha perseguido por outro, o
"estranho no corredor" do título. Creio que o fundamental foi
estabelecer uma tensão de novela de suspense, no início, mas está longe de ser
um livro policial ou algo do gênero. É mais um mergulho na psicologia de um
homem à procura desesperada de sua identidade.
O que você acha que um país como o nosso,
com um índice tão baixo de livros lidos anualmente, poderia fazer para
estimular o hábito da leitura? E qual o papel dos clubes de leitura nesse
contexto?
Olhe, esse é um
enorme problema... Já dei muitas palestras e falei com públicos de diversas
faixas etárias e graus de instrução. O que me parece é que o desestímulo à
leitura parte das próprias famílias que, mesmo abastadas, já não parecem dar a
mínima para a cultura letrada. Uma vez li numa revista (creio que na Carta
Capital) uma pesquisa interessante sobre a quase inexistência de estantes nos
lares brasileiros... Mas, se você prestar atenção, televisão, todas as casas,
mesmo as mais humildes, têm. Quase sempre também o mercado incentiva a
facilidade, os livros com imagens, mastigadinhos, lisonjeando o público para
tentar vender de qualquer modo, e é quase como se os autores se desculpassem
diante do público quando produzem obras difíceis, dizendo, para vender, que tem
uma pitada disto e daquilo, enfim, a preocupação mercadológica, comercial,
dispara absolutamente na frente e, como o público, mesmo o instruído, tem uma
propensão à displicência, e por vezes é apenas semiletrado, está pronto o caos.
Os escritores que propõem alguma coisa mais séria, mais esteticamente engajada,
se sentem perdidos, não são ouvidos. A sociedade do espetáculo e da frivolidade
não quer saber deles. Por isso os clubes de leitura, mesmo existindo em pequeno
número, me parecem um pouco com aqueles abnegados que, no fim do filme Fahrenheit 451, quando todos os livros foram queimados, ainda se reúnem para
conversar uns com os outros, encarnando personagens e recontando histórias
clássicas...
4 de janeiro de 2013
2 de janeiro de 2013
Escritora debaterá "Vermelho Amargo" no Clube de Leitura Icaraí
Na primeira sexta feira de 2013, às 19:00 h, o Clube de Leitura Icaraí contará com a presença de Nilma Lacerda, poeta, ficcionista, cronista, roteirista de cinema e professora da UFF. O debate, que acontece mensalmente na Livraria Icaraí, rua Miguel de Frias, 9, Reitoria da UFF, será sobre a obra "Vermelho Amargo" de Bartolomeu Campos de Queirós. Nilma Lacerda foi amiga pessoal do autor do mês e trará valiosa contribuição da obra e do autor aos apaixonados participantes do nosso clube de leitura. Não percam!
Em Nilma Lacerda, a letra é um fruto do bisturi. E, no entanto, menos que para cortar, ela a usa para coser. Escreve, dá aulas de literatura, pensa sobre leitura e escrita, copia o que as pessoas escrevem, por muros e ruas das cidades. Seu maior projeto é a aliança entre ventura intelectual e aventura feminina.
Nilma Lacerda nasceu e vive no Rio de Janeiro. É poeta, ficcionista, cronista, roteirista de cinema e professora. É doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutorada pela École des Hautes Études en Sciences Sociales da França. Publicou diversas obras, dentre as quais Estrela-de-rabo e Cartas do São Francisco. Recebeu o Prêmio Esso de Literatura pelo conto "Morro em Policromia" (1969) e o Prêmio Romance, da Fundação Rio Arte, por Manual de tapeçaria (1985). Foi duas vezes finalista da Bienal Nestlé de Literatura.
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