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19 de setembro de 2012

O Sacramento do Candelabro: Antonio R




Querida Elenir, atendendo ao seu pedido, segue o tratado abaixo. O que era para ser um comentário sobre o seu texto tornou-se isto que aí vai. Peço desculpas, mas quando desço ao porão para escrever, sou tomado por uma compulsão incontrolável, e o que sai escrito já não é meu, mas de algo que se apossa de mim. Então, eximo-me de qualquer insanidade que possa haver no texto; a culpa não é minha. 

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Na última reunião conversei com você sobre o seu belo texto publicado no blog do CLIc, "O Candelabro". Você me pediu para escrever. Na verdade, o seu texto já havia me motivado a escrever um comentário. Mas não pude fazê-lo. Por dias procurei um livrinho que li há seis ou sete anos, quando estudava um assunto que na época me despertava muito interesse; esse livrinho marcou-me profundamente. Aprendi com ele a olhar o mundo de forma diferente e a compreender porque algumas coisas adquirem um profundo significado para a gente. Não o encontrei. Foi uma pena. Com ele em mãos eu pretendia finalmente escrever meu comentário. Todavia, não podendo deixar de escrever alguma coisa sobre o seu texto, tão carregado de rara poesia e sensibilidade, decidi que o livrinho, comprado na época num sebo em Niterói, deveria voltar à minha estante. Comprei-o novamente, agora novinho em folha, edição de 2012, 28ª edição da Editora Vozes, adequada ao novo acordo ortográfico. São quase 40 anos desde a primeira publicação e ele continua movendo olhos e corações a uma visão da vida que nos possibilite pelo menos tentar contemplar a totalidade do mundo, apontando-nos os significados e abrindo-nos a compreensão dos símbolos presentes nas coisas e nas pessoas que nos cercam. O livrinho se chama "Os Sacramentos da vida e a vida dos sacramentos". O autor é Leonardo Boff. O livro é um ensaio, um esforço de fazer compreender que sacramento não tem só a ver com rituais religiosos, que não se pode limitá-los apenas aos sete sacramentos fundamentais da Igreja Católica. Para explicar isto, o autor introduz o pensar sacramental, ou o "modo de pensar" sacramental, como segue abaixo: 


"Quando falamos em “modo de pensar” queremos dizer modo de abordar a realidade das coisas, modo de “ver”  e de interpretar as coisas, os acontecimentos e os gestos. Diante dos sacramentos não basta a fé. É preciso a qualidade humana de ler nas coisas mais do que aquilo que elas objetivamente apresentam ou aparentam. É que os sacramentos pedem uma especial capacidade de leitura, de apreciação, que tem muito a ver com o mundo dos símbolos, dos sinais. E tal não é possível sem um olhar profundo que atinja o âmago das realidades que nos cercam. O pensar sacramental é um pensar em símbolos. Ele assenta naquele nível humano de compreensão da realidade e das coisas que passam para além delas mesmas. O homem comunica-se através de sinais, pelos quais passa a amizade, o ódio, a memória das coisas, etc. Todo o mundo, com as criaturas e a história que o fazem, pode ser simbólico. Tudo depende dos olhos com que vemos as coisas. E nós bem poderíamos começar por dizer que sempre que uma realidade do mundo, sem deixar de ser mundo, evoca outra diferente dela, assume uma função sacramental."


Por isso vemos nesse livrinho o "sacramento do toco de cigarro", o toco do último cigarro de palha fumado pelo pai antes de morrer. O "sacramento do pão", um pão que sua mãe amassava e assava em forno de lenha para alimentar os filhos (foram onze no total). O "sacramento do professor primário". O "sacramento da vela natalina", uma vela que o autor recorda ter-lhe sido dada na Alemanha, por uma estranha, nos tempos de estudante, numa noite de Natal em que estava só, distante da família e da pátria. E, entre outros, o meu predileto, o "sacramento da caneca", que deixarei ao final para a apreciação de todos que desejam compreender melhor a linguagem sacramental dos sacramentos da vida, presentes em pequenas coisas, pessoas e o que mais causar aquele encantamento gestado na prazerosa intimidade da con-vivência.

Elenir, por isso eu lhe digo que o Candelabro, aquele Candelabro que era arco-iris, música, ternura e saudade na sala, também ele era (ou é) um sacramento da vida, pois deixou de ser Candelabro para comunicar uma realidade maior, tornou-se transparência, que é a síntese entre a imanência e a transcendência. Se este Candelabro existiu mesmo ou não, não importa. A essência está lá em seu texto. Um objeto que transcende a sua função de objeto e comunica a alguém toda uma riqueza simbólica. E você, que teve os olhos de ver essa realidade e esse simbolismo do Candelabro, também você aprendeu a ver a realidade sacramental da vida no "Sacramento do Candelabro." 

Parabéns pelo texto, o CLIc nos tem proporcionado grandes viagens literárias, grandes mergulhos na poesia, e isto não tem preço, isto também é sacramental.

Um grande abraço a todos, e um especial a você, Elenir. 


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