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19 de setembro de 2012

Clube do Conto - Um pai: Carlos Rosa Moreira


         
            Eu ainda era pequeno, mas desde que o meu pai me dera o livro não pensava em outra coisa: precisava conhecer o Lago Tanganica. Esperava meu pai chegar para conversar sobre o lago e os caminhos que levariam até ele. Bom mesmo foi ouvir o meu pai dizer que o havia conhecido, mas que era muito difícil chegar até lá.
            ‒ Um dia você terá de ir e, sem esperar, nós sairemos em viagem.
            Uma noite, ouvi meus pais discutirem. No começo parecia briga, mas depois minha mãe se acalmou e cedeu, como se soubesse que a razão estava com meu pai. No fim ela pedia, tentava tocar o coração dele, e senti que conseguia. Os dois se abraçaram, choraram, mas sabiam que chegava a hora e eu teria de ir com meu pai. Um pouco mais tarde, emocionado, ainda com os olhos vermelhos, ele se sentou ao meu lado na cama.
            ‒ Então, filho, preparado? Vamos partir para conhecer o Lago?
            Eu assenti com a cabeça. Ele fez um carinho em meus cabelos e me olhou com uma ternura intensa, mais do que o normal de todas as horas e que eu veria se repetir em seu olhar muito tempo depois. Quando saiu do quarto deixou seus olhos ternos fixados em mim. Os olhos que me diziam tudo, que alertavam do bem e do mal, despediam castigos e carícias. Olhos azuis como o Mediterrâneo de Píteas e de Hanão; límpido como deveria ser o céu dos tuaregues, de Livingstone, de Stanley. Todos meus heróis, todos reais, como meu pai me dizia que a vida deveria ser. Fora ele quem havia me dado o livro que contava da grandeza dos homens, e muitas vezes lia para mim, enriquecendo-o de detalhes não escritos.
            Eu acordei com os ruídos matinais da casa. Meus pais me esperavam. Nossas malas já estavam prontas. Partimos após o café. Durante um tempo ainda avistei minha mãe que acenava, mas a distância a encobriu. Restamos apenas meu pai e eu. À nossa frente, o caminho serpenteava por campos e vales, fazia um trilho claro no meio do verde. Eu não notara, mas o meu pai chamou a atenção para o fim do caminho, muito adiante.
            ‒ Não vê o azul? Olhe bem, confunde-se com a bruma, mas lá é o mar, onde o caminho acaba.
            Eu achei ter visto, mas não tive certeza. Nos dirigíamos para o mar que meu pai mostrava, deixando a cada passo a poeira da nossa terra assentada sobre as trilhas tão conhecidas. Como meu pai havia dito, o caminho acabava-se no mar. Diante de mim estendia-se o azul. Na praia, inclinado sobre a areia, um barco fornecia alguma sombra.
            ‒ É o nosso barco. Vamos atravessar esse mar até a costa da África.
            ‒ O Mediterrâneo...
            Confesso que não achei o barco grande coisa. Senti medo. Era um escaler de aparência sólida com um local no meio para encaixar o mastro da única vela. Meu pai o examinou com cuidado, inspecionou a proa e a popa; o tabuado e as condições da vela; viu que não faltavam remos e forquilhas.
            ‒ Partiremos amanhã às primeiras horas. Teremos bom tempo.
            Almoçamos à sombra do barco e dormimos abrigados por ele. Ainda estava escuro quando meu pai me acordou.
            ‒ Vamos comer alguma coisa e zarpar.
            O céu tomava uma tonalidade brilhante à medida que clareava. Coloriu o Mediterrâneo de cores alegres que se refletiam na superfície lisa, vez ou outra encrespada por uma rajada fresca. Colocamos o barco no mar e meu pai içou a vela. Ela deu uma panejada, mas logo inflou como se tivesse orgulho de si mesma e o barquinho deslizou paralelo à praia. Meu pai deu um toque na cana do leme e a proa apontou o sul; uma brisa nos pegou pelo través, fazendo-nos romper água.
            ‒ Estamos por nossa conta, agora somos nós e o mar. Observe o que faço, pois a qualquer momento poderá ter de fazer sozinho.
            Começamos a velejar numa velocidade muito boa. Eu cumpria pequenos afazeres que o meu pai mandava. E principalmente me colocava atento para absorver seus ensinamentos. Às vezes me distraía, olhando o horizonte, as aves ou algum peixe que saltava, mas quando não me recompunha por uma chamada do meu pai alertando-me para qualquer coisa interessante sobre o andamento do barco, fazia-o por vê-lo sempre vigilante, quase preocupado, com os olhos a esquadrinhar do horizonte ao tope do mastro.
            ‒ Desejo que você olhe tudo, pois é tudo muito bonito. Mas não deixe de prestar atenção em mim.
            O Mediterrâneo estendia-se num azul magnífico por todos os quadrantes. Já não havia sinal de terra. Existia um nervosismo na superfície, algo agitado como alguém que sabe que precisa ser paciente, mas não para de andar de um lado a outro. Isso é coisa normal do mar, dizia meu pai. E parecia mesmo. O barco nem ligava para os pequenos solavancos das marolas nervosas. Enquanto deslizávamos sobre as águas, meu pai me mostrava o que eu não via: as mudanças nos tons do azul, indicando correntes diferentes, boas ou ruins; a movimentação das nuvens, o voo das aves, as coisas que passavam boiando e tudo que poderia nos dizer algo sobre um futuro próximo. Além disso, me contava que muito para bombordo estaria a Itália, Malta e depois Grécia e a Fenícia. Assim, o Mediterrâneo se tornava para mim não apenas uma porção de água para atravessar, mas um mar de sonhos, um palco de heróis reais, com suas dores e seus medos, como meu pai ensinara que os heróis devem ser.
            A noite chegou trazendo límpidas estrelas, mas os meus olhos se fechavam de cansaço. Meu pai não largava o leme nem a escota da vela. Eu procurava ficar acordado para não abandoná-lo sozinho naquela faina, mas, na verdade, nada podia fazer, apenas olhar e pensar que ajudava. Acabei dormindo no lugar que meu pai havia preparado para isso, no fundo protegido do barco. Tive um sono tranquilo. Quando acordei com os primeiros albores na manhã, senti que o barco jogava, subindo e descendo as ondas. Meu pai equilibrava-se na pequena bancada do timoneiro, sustentando o leme, agarrado ao cabo da vela.
            ‒ Volte a dormir, meu filho.
            Eu me deitei, mas não dormi. Não entendia como um homem podia aguentar sem dormir, manejando o leme e aquela vela o tempo todo. Do fundo do barco eu observava seu rosto, já barbado, vincado, mas colorido pelo azul dos olhos, brilhantes e vivos como o mar. Nosso barco escalava montanhas de água e desabalava ladeiras abaixo espadanando espuma para todos os lados. Passou o dia, veio outra noite. E as ondas açoitavam o barquinho que rangia guiado pelo meu pai. Uma tempestade caiu sobre nós. A cada relâmpago eu via o rosto do meu pai num clarão azulado. Vi-o crispado, preocupado, decidido, vitorioso, nervoso. As expressões de sua face calavam em minha alma. Até que o vi com medo. Ele olhava para adiante, além da proa, e o que via devia ser medonho, pois seu rosto transmudou-se de medo para pavor. Ao vê-lo assim, fiquei aterrorizado, pensei em me levantar e abraçá-lo, e fosse o que fosse que nos atingisse, nos encontraria juntos e juntos ficaríamos. Um relâmpago clareou o barco. Naquela luz repentina, vi os olhos do meu pai fixos em mim, senti que pressentia meus pensamentos. Imediatamente ele voltou a olhar adiante; e cerrou os dentes, contraiu as sobrancelhas e pareceu espantar o medo. O barco subiu, subiu, subiu até galgar uma crista imensa, parar por segundos e descer pelo outro lado.
            ‒ Não se envergonhe do seu pai. Mas tive receio de que não estivesse observando.
            A noite se foi e levou a tempestade. No dia seguinte, o mar estava liso como um espelho, cinza como o aço.
            ‒ Não podemos ficar boiando nessa calmaria, vou remar. Quero que você se alimente e esteja sempre preparado.
            E depois de tudo, de não dormir, de não comer, de enfrentar ondas irascíveis, meu pai remou. Remou até as mãos ficarem cheias de bolhas e sangrarem. Remou o dia inteiro.
            ‒ Pai, terra! Aquilo é terra, não é?
            ‒ É. Chegamos à África.
            Diante de nós, estendia-se outro mar. Tinha tantas ondas quanto o Mediterrâneo e o vento quente soprava por sobre tudo, levantando uma poeira brilhante das ondas mais altas, fazendo parecer borrifos de espuma branca. Eu sempre achei que o Saara fosse branco, mas à minha frente vi um mar de areia rosada que fazia um belo contraste com o céu.
            ‒ Vamos atravessar este deserto. Da mesma forma que o mar, tudo aqui agride. Às vezes, parecerá quieto; outras vezes, investirá contra você. Pergunte-se sempre o que ele fará. E preste atenção a mim.
            Então, ele se abaixou e pôs sobre os ombros enormes correias de couro que sustinham cantis cheios de água. Ajeitou a mochila e passou para mim uns poucos objetos. Cobriu-me com um albornoz atado a longo véu que protegia do sol. Bondosamente me sorriu:
            ‒ Está confortável?
            ‒ Está, pai.
            E começamos a andar. Ele ia à frente, num passo decidido e cansado. Eu olhava suas pernas se afundando na areia, voltando, dando outro passo e de novo se afundando. Quando o vento nos pegava de frente, eu sentia o cheiro do meu pai. Cheiro de coisas familiares, de escritório, de camisa lavada. E eu me lembrava da casa, da minha mãe, e imaginava o quanto meu pai deveria estar com saudade. Mas ele seguia naquela areia, sob aquele sol. Eu pouco sentia, pois ele me dava muita água, e me falava tantas coisas belas sobre o Saara, e me dava de-comer que eu nem sentia. Cruzamos com uma caravana de tuaregues. Eram homens azuis que andavam vagarosamente sobre as cristas das ondas de areia. Alguns iam sobre camelos que ondulavam feito o barco nas cristas das ondas do mar.
            ‒ Pai, não devemos segui-los?
            ‒ Não. Devemos ir nessa direção. Por que seguiríamos os tuaregues? Temos nossa bússola: veja, veja para onde aponta. Mais tarde será sua e você deverá usá-la para achar sua direção.
            Andamos dias e dias. O deserto parecia não ter fim. Achei-o pior do que o Mediterrâneo, que era apenas volúvel. Preocupava-me com meu pai, que pouco comia, quase não bebia; suas roupas se rasgaram expondo a pele ao sol furibundo do Saara. E quando caía a noite e um frio inacreditável nos assolava, ele me dava de-comer uma sopa quente e me cobria com os cobertores que trazia na mochila, e ainda me enrolava com aqueles trapos que eram sua roupa. Eu via meu pai insone a perscrutar as estrelas, sem tiritar de frio, sem dormir. E eu me perguntava como era possível suportar.
            Após muitos dias avistamos uma linha verde no horizonte. Vimos também que uma fila de homens caminhava em nossa direção, parecendo uma longa serpente escorregando sobre a areia. O da frente cumprimentou meu pai; atrás dele vinham outros, amarrados com cordas, ligados entre si por pedaços de pau atados aos seus pescoços. Eram tangidos por guardas armados que obedeciam ao da frente.
             ‒ Quem são?
        ‒ São escravos conduzidos por seus captores. Lá na frente os esperam os negociantes que os venderão para serem explorados até o fim de suas vidas. Homens vivendo do sangue e da carne de outros homens.
             ‒ E eles sabem disso?
            ‒ Não sabem. Mas alguns sabem e até se entregaram e se entregam aos seus senhores.  Deixe-os, nossa direção é outra. Além do mais, não temos armas, os captores são poderosos e o Saara não nos esconderá. E alguns dos escravos podem ficar contra nós.
            E apontou para o verde que, na verdade, era a floresta, indicando o fim do deserto.
            Foi muito agradável entrar na floresta. A umidade que brotava do solo substituiu a quentura nos nossos pés; no ar, um perfume molhado amenizava a face e os ombros rubros, castigados pelo sol do deserto. Dormimos ao pé de imensa árvore, cujas folhas lá no alto sobrepujavam as outras frondes. Meu pai me ensinou a fazer fogueira, a espantar animais, a não temer o escuro de onde vinha uma infinidade de ruídos estranhos, semelhantes a gritos e lamentos. Na manhã seguinte, quando o sol avermelhou o horizonte transformando-o em vasta fogueira, ele me acordou e disse que devíamos andar. No meio da manhã estávamos em plena savana. O capim alto, amarelado, até nos encobria. Vimos animais que passavam velozes, ouvimos urros e mugidos; às vezes, o chão tremia com a debandada inexplicável dos rebanhos. Andamos um bom par de horas naquele capinzal. Mas, de repente, meu pai parou. Esticou o braço com a mão espalmada, instando-me a ficar imóvel. Eu ouvi um urro poderoso que me arrepiou pelos e congelou o sangue. Meu pai farejava o ar. Veio em minha direção olhando atento para um lado, me pegou pela cintura e foi me levando até uma árvore de aparência frágil, a única que avistávamos.
            ‒ Suba naquele galho forte e fique lá.
            Eu obedeci. Instalei-me no galho que ele indicou, onde havia até um jeito para recostar e descansar. Mas era o único galho da árvore. Vi-o se abaixar e pegar um grosso pedaço de pau. Por um segundo senti um cheiro estranho, que passou rapidamente tocado pela brisa.  Era o mesmo cheiro que os gatos deixam em casa nos dias de chuva. Logo, uma cabeça imensa ornada por uma juba fulva surgiu no capinzal. Tinha o olhar curioso e agressivo. Com um movimento decidido, meu pai vibrou-lhe tão grande cacetada com sua borduna, que o leão fechou os olhos e baixou a cabeça, retornando de marcha a ré para o interior do emaranhado de capim. Mas logo outra cabeça apareceu, com a juba tão amarela quanto o capim; e duas outras sem juba, que vieram devagar, especulantes, ameaçadoras. Meu pai recuou, encostando-se à árvore. A primeira leoa investiu, e foi rechaçada com a borduna; a outra veio, levantou a pata exibindo as garras mortais, meu pai desfechou-lhe o porrete no crânio, mas ela fez um meneio e evitou a cacetada. Então, o leão atacou por trás, obrigou meu pai a desencostar-se da árvore, facilitando à leoa agarrá-lo pelas costas. Meu pai lutou, manejava a borduna com destreza e velocidade, mais feroz do que os leões, mas não foi suficiente. Vi o seu corpo esfarrapado e exausto sucumbir no meio daquele pelame. Ele ainda se virou para mim com os olhos mais ternos do que o normal de todas as horas, azuis brilhantes como o céu da África.
            ‒ Espere um tropel, quando um rebanho passar os leões o perseguirão, então você poderá descer da árvore e continuar.
            Foram as últimas palavras do meu pai; no entanto, a luta não havia terminado. Ele se defendeu e atacou, até que o leão cravou os dentes em sua cabeça e o arrastou para a savana. Ainda enxerguei, em meio ao capim, as sombras dos leões, mas logo tudo se acabou.
            É indescritível o choque e o terror que acometeram minha alma. Meus gritos misturados ao choro foram substituídos por guinchos que saíam irrefreáveis como soluços. Depois, envolveu-me um manto de indiferença e eu me senti exaurido, sem saber o que fazia, sem ter noção de onde estava. Acho que fiquei durante dias nesse estado.
            Numa tarde muito quente, vi um enorme pássaro ao meu lado. Vigiava-me com olhares sequiosos e maus. Uns ruídos estridentes e o farfalho de asas me fizeram olhar à volta: pousados na árvore havia mais três grandes abutres, e outros sobrevoavam a pouca distância. Assustado, ajeitei-me no galho e os espantei. E naquele instante voltei a mim. Mas do alto da árvore jurei que jamais desceria. Esperaria alguma coisa, sei lá... mas não desceria para o meio dos leões. Os dias se passaram e muitos tropéis ouvi. Por várias vezes a poeira se levantou na savana e avistei os leões em perseguição aos rebanhos. Certo dia, de manhã, vi pessoas atravessando o capinzal. Desci da árvore e corri para eles. Eram os captores e seus escravos.
            ‒ Quer seguir conosco?
            Fiz que sim e o homem me deu um rifle, disse-me para tomar conta do final da fila. Segui com eles por toda a savana, atravessamos a floresta e chegamos ao deserto. Do alto de uma duna eu olhei as ondulações que se tornavam planas no horizonte. Eu tinha vindo de lá com meu pai. Apertei a bússola na algibeira, o que fazer? Tudo me dava medo.
            ‒ Para onde vocês vão?
            ‒ Vamos para o litoral, venderemos os escravos e retornaremos para pegar outros.
            ‒ Vocês conhecem o lago Tanganica?
            ‒ Talvez seja próximo ao local onde capturamos os escravos.
            ‒ Pois eu quero ir até lá.
            ‒ Então nos siga, um dia você chegará lá.
            Eu segui os captores e seus infelizes escravos. No litoral me disseram que não retornariam logo, mas se quisesse eu poderia trabalhar até a hora da volta. Aceitei o trabalho. Depois de alguns dias, falaram que teriam de embarcar e eles mesmos levar os escravos para serem vendidos em outras terras. Eu podia ir, trabalharia no navio e ganharia pelo transporte dos escravos. Olhei para o deserto que se espraiava na direção indicada por meu pai e vi os leões: preferi embarcar.
            Já fiz várias viagens de captura e de transporte de escravos. Quando ouço o cordame do navio ranger sob o jogo das ondas e o ruído misturar-se aos gemidos dos infelizes escravos criando uma cantoria doida, ponho as mãos nos ouvidos e concentro-me nas estrelas. Contudo, das estrelas sinto-me devedor. Pois elas lembram o Mediterrâneo, o Saara e os ensinamentos do meu pai. São testemunhas perenes de tudo, não há como fugir das estrelas. Apalpo a minha bússola, esqueço de mim mesmo, tento me esconder do que sou. E a cada retorno das viagens de transporte de escravos alivio a minha aflição, decidindo que planejarei uma viagem bem organizada e segura até o Lago Tanganica.


O Sacramento do Candelabro: Antonio R




Querida Elenir, atendendo ao seu pedido, segue o tratado abaixo. O que era para ser um comentário sobre o seu texto tornou-se isto que aí vai. Peço desculpas, mas quando desço ao porão para escrever, sou tomado por uma compulsão incontrolável, e o que sai escrito já não é meu, mas de algo que se apossa de mim. Então, eximo-me de qualquer insanidade que possa haver no texto; a culpa não é minha. 

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Na última reunião conversei com você sobre o seu belo texto publicado no blog do CLIc, "O Candelabro". Você me pediu para escrever. Na verdade, o seu texto já havia me motivado a escrever um comentário. Mas não pude fazê-lo. Por dias procurei um livrinho que li há seis ou sete anos, quando estudava um assunto que na época me despertava muito interesse; esse livrinho marcou-me profundamente. Aprendi com ele a olhar o mundo de forma diferente e a compreender porque algumas coisas adquirem um profundo significado para a gente. Não o encontrei. Foi uma pena. Com ele em mãos eu pretendia finalmente escrever meu comentário. Todavia, não podendo deixar de escrever alguma coisa sobre o seu texto, tão carregado de rara poesia e sensibilidade, decidi que o livrinho, comprado na época num sebo em Niterói, deveria voltar à minha estante. Comprei-o novamente, agora novinho em folha, edição de 2012, 28ª edição da Editora Vozes, adequada ao novo acordo ortográfico. São quase 40 anos desde a primeira publicação e ele continua movendo olhos e corações a uma visão da vida que nos possibilite pelo menos tentar contemplar a totalidade do mundo, apontando-nos os significados e abrindo-nos a compreensão dos símbolos presentes nas coisas e nas pessoas que nos cercam. O livrinho se chama "Os Sacramentos da vida e a vida dos sacramentos". O autor é Leonardo Boff. O livro é um ensaio, um esforço de fazer compreender que sacramento não tem só a ver com rituais religiosos, que não se pode limitá-los apenas aos sete sacramentos fundamentais da Igreja Católica. Para explicar isto, o autor introduz o pensar sacramental, ou o "modo de pensar" sacramental, como segue abaixo: 


"Quando falamos em “modo de pensar” queremos dizer modo de abordar a realidade das coisas, modo de “ver”  e de interpretar as coisas, os acontecimentos e os gestos. Diante dos sacramentos não basta a fé. É preciso a qualidade humana de ler nas coisas mais do que aquilo que elas objetivamente apresentam ou aparentam. É que os sacramentos pedem uma especial capacidade de leitura, de apreciação, que tem muito a ver com o mundo dos símbolos, dos sinais. E tal não é possível sem um olhar profundo que atinja o âmago das realidades que nos cercam. O pensar sacramental é um pensar em símbolos. Ele assenta naquele nível humano de compreensão da realidade e das coisas que passam para além delas mesmas. O homem comunica-se através de sinais, pelos quais passa a amizade, o ódio, a memória das coisas, etc. Todo o mundo, com as criaturas e a história que o fazem, pode ser simbólico. Tudo depende dos olhos com que vemos as coisas. E nós bem poderíamos começar por dizer que sempre que uma realidade do mundo, sem deixar de ser mundo, evoca outra diferente dela, assume uma função sacramental."


Por isso vemos nesse livrinho o "sacramento do toco de cigarro", o toco do último cigarro de palha fumado pelo pai antes de morrer. O "sacramento do pão", um pão que sua mãe amassava e assava em forno de lenha para alimentar os filhos (foram onze no total). O "sacramento do professor primário". O "sacramento da vela natalina", uma vela que o autor recorda ter-lhe sido dada na Alemanha, por uma estranha, nos tempos de estudante, numa noite de Natal em que estava só, distante da família e da pátria. E, entre outros, o meu predileto, o "sacramento da caneca", que deixarei ao final para a apreciação de todos que desejam compreender melhor a linguagem sacramental dos sacramentos da vida, presentes em pequenas coisas, pessoas e o que mais causar aquele encantamento gestado na prazerosa intimidade da con-vivência.

Elenir, por isso eu lhe digo que o Candelabro, aquele Candelabro que era arco-iris, música, ternura e saudade na sala, também ele era (ou é) um sacramento da vida, pois deixou de ser Candelabro para comunicar uma realidade maior, tornou-se transparência, que é a síntese entre a imanência e a transcendência. Se este Candelabro existiu mesmo ou não, não importa. A essência está lá em seu texto. Um objeto que transcende a sua função de objeto e comunica a alguém toda uma riqueza simbólica. E você, que teve os olhos de ver essa realidade e esse simbolismo do Candelabro, também você aprendeu a ver a realidade sacramental da vida no "Sacramento do Candelabro." 

Parabéns pelo texto, o CLIc nos tem proporcionado grandes viagens literárias, grandes mergulhos na poesia, e isto não tem preço, isto também é sacramental.

Um grande abraço a todos, e um especial a você, Elenir. 


You should date a girl who reads: Rosemarie Urquico



Date a girl who reads. Date a girl who spends her money on books instead of clothes, who has problems with closet space because she has too many books. Date a girl who has a list of books she wants to read, who has had a library card since she was twelve.

Find a girl who reads. You’ll know that she does because she will always have an unread book in her bag. She’s the one lovingly looking over the shelves in the bookstore, the one who quietly cries out when she has found the book she wants. You see that weird chick sniffing the pages of an old book in a secondhand book shop? That’s the reader. They can never resist smelling the pages, especially when they are yellow and worn.

She’s the girl reading while waiting in that coffee shop down the street. If you take a peek at her mug, the non-dairy creamer is floating on top because she’s kind of engrossed already. Lost in a world of the author’s making. Sit down. She might give you a glare, as most girls who read do not like to be interrupted. Ask her if she likes the book.

Buy her another cup of coffee.

Let her know what you really think of Murakami. See if she got through the first chapter of Fellowship. Understand that if she says she understood James Joyce’s Ulysses she’s just saying that to sound intelligent. Ask her if she loves Alice or if she would like to be Alice.

It’s easy to date a girl who reads. Give her books for her birthday, for Christmas, for anniversaries. Give her the gift of words, in poetry and in song. Give her Neruda, Pound, Sexton, Cummings. Let her know that you understand that words are love. Understand that she knows the difference between books and reality but by god, she’s going to try to make her life a little like her favorite book. It will never be your fault if she does.

She has to give it a shot somehow.

Lie to her. If she understands syntax, she will understand your need to lie. Behind words are other things: motivation, value, nuance, dialogue. It will not be the end of the world.

Fail her. Because a girl who reads knows that failure always leads up to the climax. Because girls who read understand that all things must come to end, but that you can always write a sequel. That you can begin again and again and still be the hero. That life is meant to have a villain or two.

Why be frightened of everything that you are not? Girls who read understand that people, like characters, develop. Except in the Twilight series.

If you find a girl who reads, keep her close. When you find her up at 2 AM clutching a book to her chest and weeping, make her a cup of tea and hold her. You may lose her for a couple of hours but she will always come back to you. She’ll talk as if the characters in the book are real, because for a while, they always are.

You will propose on a hot air balloon. Or during a rock concert. Or very casually next time she’s sick. Over Skype.

You will smile so hard you will wonder why your heart hasn’t burst and bled out all over your chest yet. You will write the story of your lives, have kids with strange names and even stranger tastes. She will introduce your children to the Cat in the Hat and Aslan, maybe in the same day. You will walk the winters of your old age together and she will recite Keats under her breath while you shake the snow off your boots.

Date a girl who reads because you deserve it. You deserve a girl who can give you the most colorful life imaginable. If you can only give her monotony, and stale hours and half-baked proposals, then you’re better off alone. If you want the world and the worlds beyond it, date a girl who reads.

Or better yet, date a girl who writes.

12 de setembro de 2012

O vasto mundo poético de Ilnea: Antonio R


Querida Ilnea,

Li seu livro com grande prazer e alegria. Há muita vida nele. De início eu gostaria de destacar um trecho que me remeteu a um texto que escrevi outro dia, e que embora ainda esteja em estado bruto, cheio de aparas, já circula por aí, sem dono, na grande rede. A certa altura, nesse texto, o personagem-narrador recorda uma frase que lhe fora dita pelo pai, há muitos anos, quando ainda era uma criança: 

“Quando você for crescido, vai descobrir que tem caminho que a gente caminha sem querer, filho.”

E no final, o personagem-narrador encerra o texto da seguinte forma: 

"Depois desse dia, não demorou muito para que eu descobrisse que iria caminhar muitas vezes por esses caminhos que caminhamos sem querer, e que somos pequenos demais para um mundo tão grande e tão vasto que é esse mundo que há e que é dentro de nós mesmos." 

Ilnea, você fala sobre Limites na página 121/122, O fragmento que me fez recordar esse meu texto é o que segue: 

"... de onde vinha o desejo
De tão cedo acalentado
de conhecer outras terras
outros cantos, outros prantos
e de ter sempre sentido
que a fronteira do meu mundo
se por acaso existia
ficava em algum lugar
muito além da minha porta?"

Minha caríssima poeta, poetisa, ou seja lá que nome se dê a mulher que transforma vida e sentimentos em poesia, o seu mundo não tem limites. Porque o seu mundo é o mundo da poesia, esse vasto mundo que pode ser aquela "nave vadia movida à forma de sonho" em que o poema se encerra belissimamente: 

"E isso era só de dia
pois quando a noite caia
e eu olhava o céu
o que de fato queria
era uma nave vadia
movida à força de sonho.

E nesse sonho bonito
adormecia serena
e passeava entre estrelas
para além do infinito."

É isso, Ilnea. Assim como no trecho do meu texto citado, a sua poesia parece habitar, sim, esse vasto mundo que é há e que é dentro de nós mesmos. E esse seu vasto mundo, de "País das maravilhas", como inteligentemente brincou Newton em alusão ao seu sobrenome, é um mundo habitado por sonhos e poesia, para além do infinito.  

Parabéns pelo livro, um presente poético.

Um grande abraço,


11 de setembro de 2012

[ENTRE LEITURAS]

ESPALHANDO POESIA
Quando criança
eu engolia a poesia
cada vez que mamãe me mandava
comer depressa
e ela fazia barulho
no meu estômago
roncava engraçada
puxando prosa com meu interior.

Adolesci e, menina-moça,
enamorei-me.
Depois do primeiro beijo molhado
a poesia não quis mais descer
ficava na boca aguando
da lembrança do querer
e enquanto eu ruminava
a poesia se esfarelava
em letras dispersas
ousadas algumas
outras discretas
soprava um vento ao contrário
que era eu quem fazia.
Foi assim que aprendi
a espalhar poesia.

 (Rita Magnago)

Registro do Convite ao Devaneio, evento de poesia promovido por Dília e Cristiana em Angra dos Reis no final de semana de 24 a 26 de agosto de 2012. Do Clic, participaram, além das organizadoras, Gracinda, Elenir, Eloísa, Fátima, Niza, Ilnéa, Newton e Rita. Tudo de bom e mais um pouco.

Veja a cobertura completa das fotos clicando no link abaixo, de um de nossos companheiros de viagem, também poeta.

http://poetalbertoaraujo.blogspot.com.br/2012/08/devaneio-poetico-literario-em-angra-dos.html 







10 de setembro de 2012

Tonight, September 7th




Se alguém quiser encontrar algum responsável, consulte a direção do evento: Os Moralistas F.C.


Alma diretora


5 de setembro de 2012

Music Break: Gonzaguinha - Nave Espacial




Efeito sonho leve sonho
Leve ave em pleno vôo
 Com certeza nave espacial
 Cortando os céus
Ali vou eu
Plumagem recoberta
Com as tantas cores
 Do arco-írisReluzente
 FlechaFlamejante dardo
Ali vou eu
De um lado mora a noite
Do outro claro dia
Eu sou o sol, eu sou a lua
Eu sou o universo
Brilho puro
Lá longe cada vez mais além
Eu vejo a velha terra, a velha mãe
Tão solta e linda e nua como eu
É sempre assim e sempre assim será
Eternamente viajar no amor
 Eternamente amar
Ama-me meu super mago homem fá-me espacial.